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HÁ ALGUM PROFESSOR DE LITERATURA NA FUVEST?

A Fuvest mudou sua lista de livros para 2017. Esta mudança deixa em dúvidas se realmente há algum professor de Literatura no comando da elaboração desta lista. Há algum professor que tenha passado por uma sala de aula do Ensino Médio?

Os professores de Literatura do Ensino Médio lutam diariamente para, em 3 anos, com poucas aulas na grade curricular, desvelar o mundo da literatura obra de arte para os seus alunos fãs de “A Culpa é das Estrelas.” Nada contra este livro, mas é literatura de entretenimento e não obra de arte.

Fazer com que alunos de 15 a 17 anos leiam “Memórias Póstumas de Brás Cubas” já é um esforço hercúleo, agora a Fuvest troca o tragável “Memória de um Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida pelo experimental “Sagarana” de Guimarães Rosa. Isso não é trocar seis por meia dúzia. Para quem entende de literatura é trocar seis por uma tonelada.

É claro que,aqui, me dirijo exclusivamente aos professores que têm a preocupação da leitura integral do livro. Professores que fogem à tentação de substituir a leitura integral da obra por resumos macetosos que nada têm a ver com literatura ou com a formação de leitores de literatura.

Esses professores para os quais o passeio pela obra literária linha a linha, página a página ainda é seu maior mister devem estar surpresos. Esta surpresa não é vã. O tempo que os professores têm para trabalhar um calhamaço de História da Literatura e ainda os livros específicos para os vestibulares é muito pouco. Diria impossível.

Este impossível é reconhecer que a formação do leitor de literatura obra de arte requer tempo, linha, folhear, discutir página a página, pesquisar, demorar na obra para que o aluno sinta vontade de morar nela. Demorar para sentir vontade de morar.

A obra “Sagarana” de Guimarães Rosa tem um trabalho bem elaborado com a linguagem, muitas vezes quebrando com sua linearidade. A complexidade já começa pelo título. “Sagarana” é um possível hibridismo entre a palavra de origem germânica “Saga” (conjunto de narrações de lendas e heróis) e a palavra “rana”, originária do tupi (semelhante ou que exprime semelhança). Assim o título pode ser compreendido como: “semelhante a uma saga”.

Ora, como pode-se narrar algo semelhante a uma narrativa? Esta problematização estrutural e de gênero composicional já está no título da obra e os nove contos que compõem “Sagarana” vão muito além da mimésis. Cada conto é um Narciso morto à beira da lagoa. É o reflexo do reflexo que paralisa.

Olha que até agora falei sobre o título, imagina analisar a obra toda. Devo lembrar que analisar a obra não é saber da historinha e do nome dos personagens, mas adentrar um universo de neologismos, hipérbatos, mitos, e simbologias rosianas que estão além do repertório de adolescentes de 15 a 17 anos.

É claro que haverá uma ou duas questões abordando “Sagarana”, pois a Fuvest, até que o ENEM chegue à USP, precisa mostrar que seu vestibular é forte. Tão forte que é capaz de matar um contumaz leitor de textos literários e deformar a aula de professores sérios de todo o país.

Este meu artigo não quer ser pessimista. Apenas aponta para fatos que a imprensa, por total desconhecimento de causa, deixa passar e só quem é da área da Literatura é capaz de compreender. Não estou depreciando a obra. É uma grande obra e eu, particularmente, gosto muito dela, mas não para alunos de 15 a 17 anos.

Deixo claro que não estou subestimando os alunos. Pelo contrário, tanto os estimo que desejaria a eles obras mais engajadas a seus sonhos e aspirações. Obras que aflorassem adolescência e cheirassem a futuro bom. A literatura obra de arte está cheia delas. Basta escolher considerando o solo sagrado do “chão da sala de aula”.

Sugiro aos meus colegas professores que deem maior atenção à “Sagarana”, pois seus alunos vão precisar. Seria interessante que o professor reservasse no mínimo uma aula para cada conto. Funcionaria da seguinte forma:

a) O professor explicar para a turma que não é para gostar do livro, mas degustar. Falar para os alunos que é um desafio de leitura.(Adolescentes amam desafios!!)
b) Dividir o livro em capítulos. A tarefa de casa é o aluno ler 1 dos contos.
c) Na aula seguinte o professor, juntamente com os alunos, cada um com seu livro aberto no conto lido, irá coletar da turma as dificuldades e analisar o conto. Mostrar os porquês por detrás dos espelhos da narrativa.
d) Ao final do trabalho com todos os contos, o professor pode definir com a turma as características do livro. Desta forma, os alunos estarão preparados para os desafios que os esperam.

Bem, espero que eu tenha ajudado. Trabalhar a disciplina de Literatura com o Ensino Médio é algo muito especial, pois toca pele, pelo, alma, sentidos e coração. Todos os corações, mesmo aqueles corações que são “uma porta que ninguém vai atender.”

Um grande abraço!

Professor Robson Lima