Somente hoje pude escrever algumas considerações que julgo pertinentes em relação ao tema da redação do ENEM 2015. Antes, preferi ler tudo o que foi publicado até agora a respeito.
O tema da redação foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Com este tema a comissão organizadora da prova se redimiu do tema temerário escolhido no ano passado (“Publicidade infantil em questão no Brasil” – nem o eco pegou bem: infantil/Brasil).
O tema deste ano foi exaustivamente trabalhado em sala de aula nas mais diferentes Ãreas do Conhecimento, principalmente pelos meus colegas de LÃngua Portuguesa e Redação. Muitos alunos certamente já haviam redigido em sala de aula algo a respeito.
Gostaria, pois, de me posicionar em relação a alguns comentários que circulam na imprensa:
a) O tema foi fácil e previsÃvel.
Bem, o objetivo da redação nunca foi e não pode ser fazer pegadinha com os alunos. A redação verifica, dentre outras coisas, as habilidades técnicas de composição escrita e a organização lógica de pensamento dos candidatos. Ninguém pode redigir sobre um tema “bomba” sem ter conhecimento prévio a respeito. Não é o tema que seleciona a melhor redação, mas a capacidade de expressão escrita do candidato.
b) O tema da redação do Enem não admite qualquer posicionamento contrário ao que o próprio enunciado já propõe: a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.
Essa é uma das crÃticas que estão sendo disseminadas pelo jornalismo e pelas redes sociais. Ora, há temas que abordam a dignidade humana, assim como aconteceu no ENEM 2010 que abordou o tema: “Trabalho na Construção da Dignidade Humana”.
Pergunto: como se manifestar favorável à violência contra a mulher? Como se manifestar favorável ao trabalho escravo? Ah, professor Robson, mas e a liberdade de expressão? Alto, lá! Sou favorável à liberdade de expressão e à pluralidade de ideias, mas também sou favorável a que meu aluno não zere na redação, já que um dos fatores que levam o aluno a tirar zero na redação é escrever algo que fira os direitos humanos.
Logo, não houve condução de pensamento. O que houve foi a solicitação de uma redação cujo tema versa sobre a dignidade humana. E quando o assunto é a dignidade humana tergiversar é crime.
c) Na redação, assim como em outras questões do ENEM houve doutrinação ideológica.
Esta questão é ampla e o debate é sempre bem-vindo, porém quero manifestar o meu ponto de vista. O fato de o ENEM ter mencionado a filósofa francesa Simone de Beauvoir e o tema de redação ter sido a “persistência da violência contra a mulher†não pode ser considerado doutrinação ideológica pró-feminismo, mas pluralidade de pensamento.
Notem que a proposta de modo algum supervaloriza a mulher ou deprecia os homens, apenas aborda a questão da violência. Qualquer tipo de violência é crime. Não interessa se é violência psicológica, fÃsica ou social. Não interessa se a violência é contra homens, mulheres ou crianças.
Qualquer pessoa com um mÃnimo de bom senso sabe que doutrinação não ocorre em 10 horas de provas. Isto é exagero e má fé. Para se doutrinar alguém são necessários anos de trabalho sistemático e contundente, contemplando apenas um ponto de vista e uma forma de pensamento.
Ora, os mesmos alunos que estudaram Simone de Beauvoir, também estudaram Montesquieu, Voltaire, Adam Smith, John Locke, Kant, Auguste Comte e tantos outros filósofos e pensadores, isso sem mencionar obras como “O PrÃncipe†de Maquiavel e um volume monstruoso de obras literárias que vão de Padre Antônio Vieira, passando pelo afortunado Mário de Andrade até o poeta marginal Chacal e, sim, mulheres, como a poetiza marginal Ana Cristina Cruz Cesar e Adélia Prado. Mas que doutrinação sem foco essa, não é mesmo?
A quem acha que uma doutrinação ideológica pode acontecer em 10 horas de provas, recomendo a leitura atenta do clássico: ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: PrincÃpios e procedimentos. 5 ed.Campinas, SP: Pontes, 2003.
Que tal levar essas reflexões para a sala de aula e promover o debate com as turmas? Seria um excelente exercÃcio de cidadania e de criticidade para relaxar, sem perder o foco, após a maratona do ENEM.
No mais, parabenizo professores e alunos pelo trabalho conjunto que certamente resultará em um show de aprovações e sonhos realizados. Agora é torcer e esperar pela vitória que costuma laurear os que realmente se dedicam e fazem brilhar sua a constelação de conhecimentos.
Um abraço a todos!
Prof. Robson Lima.